Pierre-Joseph Proudhon (1809 ~ 1865):

" Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos."

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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

a filiação de proudhon [04]

por Daniel Colson*

Uma anarquia positiva

Contra a uniformidade e as simplificações opressivas da ordem e da representação, contra as ilusões das formas, das molduras, das aparências e das classificações, o anarquismo proudhoniano opõe o múltiplo e o diferente, uma avaliação interior e singular dos seres e das situações, onde, segundo o princípio da homologia, os amigos e os associados desejáveis em tal ou tal movimento (opressivo ou emancipador) raramente estão onde se pensa encontrá-los.

À objetividade ordenada e mutilante de um mundo submetido a Deus, ao Estado, ao capital, e à Ciência, o anarquismo de Proudhon — antes de Nietszche e segundo um Leibniz liberado de Deus — opõe o subjetivismo absoluto de um mundo anárquico que deve ser ordenado a partir do interior, por experimentação e pelo senso prático, por associações e desassociações (federalismo), um mundo que convém escolher e construir dentre todos os mundos possíveis, transformando a anarquia do real em anarquia positiva.

O anarquismo de Proudhon substitui a articulação mecânica, exterior e utilitarista dos seres, por sua afinidade interior, para o bom ou para o mau, a partir do jogo infinito dos encontros e das associações, e como mostra qualquer história de amor, a posse de um quepe, de um volante ou de uma casa no subúrbio.

À concepção restritiva e republicana de uma liberdade que “pára onde começa a liberdade dos outros” (Rousseau), o anarquismo de Proudhon opõe uma liberdade transdutora, capaz de se estender “ao infinito” (Bakunin).

À igualdade exterior e formal das casernas, “a igual nulidade e a escravidão igual de todos diante de um mestre supremo” (Bakunin), o anarquismo de Proudhon opõe a igualdade interior de um eu absoluto, inviolável em sua dignidade, ali onde, como afirma Deleuze, “o menor torna-se o igual do maior desde que não seja separado daquilo que ele pode.”

Ao dualismo da alma e do corpo, o anarquismo opõe o monismo de um pensamento onde tudo é potência, desejo e vontade, forças a cada vez singulares e dotadas da possibilidade de avaliar incessantemente a qualidade emancipadora ou opressiva daquilo que as constitui.

A falsas oposições que fixam e justificam a prisão em que vivemos — indivíduo/sociedade, natureza/cultura, bem/mal, homem/mulher, objetividade/subjetividade, humano/não-humano — são substituídas pelo anarquismo por uma composição e uma transformação permanentes dos seres e das situações.

Todo indivíduo é um grupo, um “composto de potências”, e todo grupo, toda entidade coletiva, não importando seu tamanho ou duração, é um “indivíduo”, dotado de vontade e força, de sua própria subjetividade.

À liberdade abstrata e vazia do cidadão, do consumidor e desempregado “livremente” em busca de dinheiro, de trabalho e de felicidade, o anarquismo opõe a necessidade interior dos seres, segundo a natureza mais ou menos fugidia de sua composição, de seus encontros e de suas associações.

Necessidade e liberdade se confundem, pois para o anarquismo, e como em Spinoza, é dita livre a coisa que existe apenas pela “necessidade de sua natureza” e “obrigada, a coisa que é determinada por uma outra a existir e a agir segundo uma lei particular e determinada.” [5]

Em suma, é preciso ler e reler Proudhon à luz das experiências das quais ele é ao mesmo tempo a expressão e o inspirador, mas também à luz de um pensamento dito pós-moderno que ele esclarece e que o esclarece, contribuindo assim a dar sentido e força a todos aqueles que, seja à escala do mundo, seja à de sua vida mais imediata, recusam o absurdo e os pesadelos previsíveis deste século XXI que se inicia.

Tradução do francês por Martha Gambini.


* Professor de Sociologia na universidade de Saint-Étienne, membro da livraria libertária La Gryffe de Lyon, autor de Petit lexique philosophique de l’anarchisme.De Proudhon a Deleuze. Paris, ed. Le Livre de Poche, 2001 e Trois essais de philosophie anarchiste, Islam, Histoire et Monadologie. Paris, ed. Léo Scheer, 2004.

** Revista verve, nº. 9: PUC/ São Paulo, págs. 23-29, 2006

nota:

5 - Spinoza. Éthique, livro I, def. 7.

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